sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Relacionamento Mulder e Scully - Quarta Temporada

Esta é, certamente, uma das temporadas mais fortes de Arquivo X, uma das mais impactantes, emocionalmente falando. E, sendo Arquivo X, esta tem que ser a mais recheada de entrelinhas, claro.

É interessante se notar como uma temporada que se iniciou com a esperança da cura termina com o anúncio da morte. Ao longo dos episódios, o telespectador é meio que preparado para este ápice... E todas as provas nos levam a coisa nenhuma. Nada fica realmente claro. Você não pode saber (além da lógica esperada em séries que não estão sendo canceladas. rs) como eles continuarão dali para frente. Ambos morrem? Um deles ou ambos são salvos? Dentro de AX e conforme foi mostrado em outros episódios da série, tudo pode acontecer.


E é bem óbvio que algo assim afetaria enormemente a relação entre as duas pessoas centrais da história. Como duas pessoas vivendo numa montanha russa como essa, suas vidas por um fio, com as vidas de tantas pessoas dependendo de como eles vão executar seu trabalho e com a credibilidade deles sempre tão questionada, vão simplesmente olhar um pro outro e pensar "é, acho que somos mesmo muito chegados apenas para amigos. Devemos iniciar uma relação amorosa. ok? ok."? Não tinha como... Porque além de se ter muito em jogo, ainda tem o fato de que eles não viviam em um ambiente comum, então aspectos comuns e conclusões comuns não se aplicavam a eles.

O que é colocado facilmente como jogo de sedução em um contexto, para eles é apenas a consequência deles só poderem contar um com o outro, consequência da imensa confiança que eles têm de depositar um no outro para sobreviver.


Vamos destrinchar um pouco este ponto com relação ao que vemos ao longo da temporada, ok?

Fica bem claro em alguns pontos que eles não se veem como simples colegas de trabalho, claro, mas é fato que ainda se veem como amigos... Uma amizade bem profunda, claro, mas apenas isso. Pelo menos é assim no inicio desta temporada.

Alguém poderia argumentar que tivemos desde cedo na série muitos momentos de ciúmes explícitos entre eles, mas todos nós sabemos que a gente não tem ciúmes apenas de quem queremos como amante. Temos ciúmes profissional, ciúmes de amizade e até mesmo aquilo que parece ciúmes, mas é apenas aquele sentimento de que você sabe que o outro está sendo feito de idiota.


O que acontece aqui é que à medida que a temporada avança, você sente uma leve mudança no comportamento deles. Não que o cuidado com o outro mude. Não... eles se cuidam ternamente desde sempre, mas agora é como se eles começassem a tomar conhecimento daquilo. Como se eles soubessem o quanto o outro significa em sua vida e do papel que eles querem ter na vida um do outro.

Talvez a coisa que tenha dado o clique final tenha sido a certeza da morte iminente, a certeza de que o outro em breve não estaria mais ali de seu lado... de que eles não se veriam mais todos os dias... de que uma força maior os separaria para a sempre. Dizem que a morte faz com que você defina corretamente suas prioridades. É verdade que eles já se viram diante da possibilidade de se perderem, mas nunca nada foi tão definitivo. Não era um sequestro, não era algo sobrenatural, não era algo que poderia ser simplesmente revertido (ou eles não sabiam que poderia ser revertido), era  algo tangível e mundano: Scully contraiu um câncer inoperável, o tratamento não estava fazendo efeito, todas as tentativas de Mulder de reverter o quadro foram inócuas e era apenas questão de tempo para que ela morresse.


Então, já que a fatalidade batia na porta, por que eles não se jogaram um no outro? Porque AX não deixaria ser casal principal fora da ironia da vida... imagine que o que fez com que eles notassem seus próprios sentimentos também tornou inútil e, por que não dizer, egoísta que eles agissem de acordo e contassem ao outro como se sentiam. E, usando a lógica da cabeça de alguém que não vê o quadro completo como nós, Scully poderia pensar que Mulder cedeu por algum tipo de pena... Mulder pensaria que não era justo com a Scully ter que lidar com os sentimentos dele num momento como aqueles... Mas assim estamos simplificando a coisa e apenas considerando a segunda metade da quarta temporada.

Alguém pode pensar que é estranho que pessoas adultas, tão inteligentes e atraentes não tenham se dado conta de como se sentiam antes e não tenham feito nenhum movimento para "ganhar" o outro. Mas, ao assistir Arquivo X, temos que saber em que universo estamos entrando e temos que levar em conta a vida e o temperamento dos personagens principais.


Scully, tendo crescido em um ambiente militar e muito masculino, aprendeu que para ser ouvida e ser levada à sério, ela teria que ser nada abaixo do que a melhor e teria que sempre estar provando isso. É interessante perceber que alguns fãs ainda fazem isso com a Scully... muitos dizem que ela segue Mulder "porque o ama". Sim, muitos dizem isso. É triste porque isso detona com tudo o que a personagem lutou para não ser. Não que amar seja ruim, mas é certamente uma fraqueza num ambiente onde apenas provas concretas e não subjetivas são levadas em consideração. Então, não... Scully seguia Mulder porque desde cedo ela acreditou que ele buscava a verdade (É particularmente interessante quando Mulder mesmo percebe isso... que Scully o amar não muda a forma como ela age profissionalmente. Mas isso é assunto pra outro post... lá para a sexta ou sétima temporadas).

Com relação a Mulder... Bom, Mulder foi muito solitário desde muito cedo... Sua irmã foi-lhe roubada, seus pais se afastaram um do outro e dele, suas ligações amorosas nunca pareceram fortes o suficiente para sobreviverem a sua natureza intensa, seus amigos muito raros e nunca muito íntimos. Scully era algo muito especial para ser desperdiçado.


À todo o histórico pessoal dos dois, ainda pode se somar a natureza extremamente peculiar do trabalho deles, como mencionado antes aqui no post. Em The Truth, quando Mulder estava sendo julgado, uma das coisas que a acusação trouxe à tona para invalidar o depoimento da Scully foi o relacionamento íntimo dela com Mulder. Não havia como eles deixarem que a credibilidade de Scully dentro da parceria deles fosse questionada por isso.

Enfim, a natureza do trabalho deles e a amizade e dependência que eles construíram em relação ao outro contribuíram para não só para que o romance demorasse pra acontecer, como também para os sentimentos fossem admitidos até para eles mesmos.


Mas o bom de Arquivo X, o que faz desta série algo único (um dos pontos) é que o romance não é explícito e comum, um que pode ser visto em outras séries, não é mesmo? Bom mesmo aqui é notar (e babar) o amor profundo que eles sentem um pelo outro e como isso é demonstrado em doses cavalares de confiança e auto sacrifício.

Essa temporada mesmo tem muito de tudo o que nos mantém hipnotizados ao relacionamento de Mulder e Scully... Em Herrenvolk, há aquela cena dos dois no hospital ao lado da cama da mãe de Mulder que lembra muito aquela deles ao lado da cama vazia de Melissa em Paper Clip, onde Scully reafirma a Mulder sua fé na ciência (Scully sempre com seus quotes perfeitos e pontuais) e o reanima a continuar lutando.


Em Home, temos uma Scully muito saidinha quase que sugerindo mais cedo a Mulder que ele lhe ajudasse a ter um bebê. Nessa cena é interessante notar como Mulder, apesar de toda a sua carga emocional, familiar, social e profissional, ainda não se tornou cínico... Ele realmente acredita que você pode encontrar a pessoa certa e ter uma vida saudável. Dá muita pena também ver eles discutindo isso quando a gente já sabe que ela não pode ter filhos...

Depois de Home, alguns pensam que a coisa pode engrenar mesmo, mas então somos agraciados com The Field Where I Died com uma mulher sendo colocada como a alma gêmea de Mulder. Apesar disso, temos aqui mais uma prova da solidez da amizade entre Mulder e Scully... não só é estabelecido que eles estão sempre perto um do outro em todas as vidas anteriores que Mulder vislumbrou como eles sempre tem um papel importante na vida um do outro.


Os episódios seguintes, Tunguska, Terma e Paper Hearts, são bem claros ao mostrar até onde a Scully vai pela amizade e confiança que ela deposita em Mulder. Mostram bem que ela pode ser reticente em acreditar em fenômenos sobrenaturais, mas assim como o parceiro, a ela não interessa nada além da mais pura verdade.

Depois disso vem o arco do câncer... nunca houve momento mais negro para todos os excers... Só quem acompanhou episódio a episódio na época sabe o sofrimento que foi... semanas de agonia com as revelações sendo feitas pouco a pouco e depois o boom do final da temporada.


Como isso afetou o relacionamento deles? Da forma mais peculiar possível, claro.

Primeiramente porque nossa querida amiguinha é mestra em esconder seus sentimentos (segundo palavras do próprio Mulder) e, sendo ela quem é, mesmo depois que conta a Mulder, ela tem que se mostrar forte até o fim... até que não aguentar mais e desmoronar.


Então, vamos diretamente a Never Again. Este episódio mostrou tanto Mulder como Scully frustrados um com o outro. Vendo tudo sob a luz que Scully já tinha uma desconfiança colossal sobre a sua condição de saúde, é natural pensar que ela reavaliasse sua vida... e vamos combinar que ali não parecia ser uma carreira muito condizente com o que a Scully sonhou ao fazer medicina e logo depois entrar para o FBI... principalmente se ela pensasse que seu parceiro não lhe dava muita importância (quando estamos amargos vemos coisas onde elas não existem).

Sendo assim, Scully teve seu momento de rebeldia com relação a sua vida de um modo geral, a forma como nada se concretizou da forma que ela idealizou. Ela estava num porão onde nem mesmo seu parceiro dava importância a seus métodos. O que a fazia continuar ali? Por que ela não tentava viver como tantos faziam? Aí entra Ed... como um grito de rebeldia da Scully. O final do episódio com Scully se libertando calmamente enquanto diz a Mulder que nem tudo em sua vida tem relação com ele é simplesmente épico.


Logo depois, entra Memento Mori. A cena em que Scully conta a Mulder sobre o seu câncer vai permanecer para sempre como uma das mais ternas entre os dois. A forma sistemática e fria com que ela descreve a doença e prognóstico apenas mostra o tamanho do medo que ela estava sentindo. Ela tinha que se afastar daquilo, se manter neutra e profissional; só assim para não desabar, afinal, diante de Mulder, ela tinha que se manter sempre forte. Ela era o pilar da racionalidade naquela parceria, e assim ela permaneceria até onde pudesse. Mulder, no entanto, sentiu seu mundo cair. Há alguns anos atrás, ele já havia confessado que o que fazia com que ele continuasse era o trabalho dele e sua parceira. Como ele continuaria sem ela? Inconcebível! A importância da Scully para Mulder pode ser medida no momento em que ele considera se vender pela vida dela... Ao que temos que agradecer para sempre ao querido Skinner por fazer com que ele mudasse de ideia.


Ao final do episódio, depois de lutarem bastante, cada um em seu campo de especialidade, pelo objetivo em comum da cura e falharem, eles caem nos braços um do outro, se confortando no fato de ainda estarem vivos e ainda poderem lutar mais. Ver a Scully tão debilitada, tão derrotada foi tão tenebroso quanto foi jubilante vê-la se erguer novamente. A alegria que Mulder demonstrou naquele instante realmente deve ter espelhado o que todos os fãs dessa ruivinha sentiam naquele instante.

Só para não ignorar lindamente Small Potatoes... sim, Scully iria em Mulder depois de uns bons copinhos de vinho e que se dane as consequências. ;)


Elegy e Demons. Estes são como um episódio duplo porque fica meio claro que Mulder joga a toalha de vez ao final do primeiro.

Bom, não, Mulder não entende o quanto aquilo está afetando Scully em Elegy porque ele não tinha como saber que a ela estava ligada aos fenômenos se ela não lhe contou nada. Como ele poderia saber? O trabalho deles é aquele... mortes ligadas ao sobrenatural. Nada tinha saído da rotina. O fato é que até para ela mesma se sentir mais segura, para ela poder continuar com a vida dela, continuar fingindo que estava tudo bem, ela não poderia ser totalmente sincera com o parceiro... senão ele poderia passar a lembrar a ela a todo instante o que ela apenas tentava esquecer.


É então com esse sentimento de que até mesmo o sobrenatural estava confirmando a morte de sua parceira e que não havia mais nada a ser feito que Mulder entra em Demons. Claro que ele chama a ela quando acorda desorientado e coberto de sangue. Em quem mais confiar? Ainda mais que Mulder estava em um espiral de auto flagelação aqui... ele somou sua obcessão pela verdade sobre o desaparecimento de sua irmão com o desespero de estar perdendo a pessoa mais importante de sua vida e pronto... adeus cuidado com toda e qualquer coisa, incluindo ele mesmo.


Então, ao final da temporada, nós temos uma certeza bem clara (se alguém ainda tinha dúvidas quanto a isso): Mulder e Scully fariam qualquer coisa um pelo outro... desde ir contra suas próprias convicções até ficar um contra o outro para atingir o objetivo principal da parceria deles: revelar/descobrir a verdade. E neste momento, realmente, todo e qualquer sentimento romântico não tinha vez na vida dos dois.

O bom de tudo isso é saber que a quinta temporada vem aí jogando um balde de alívio na cabeça deles e abrindo caminhos para que coisas novas pudessem acontecer entre eles.